segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

"Arrependei-vos"

Uma religião sem arrependimento, um arrependimento sem resolução, uma resolução sem compromisso, um compromisso sem ação, uma ação sem persistência, uma persistência sem fé, uma fé sem Deus e um deus sem senhorio, como se fosse apenas uma personagem da religião. Os elementos essenciais da fé cristã, ou seja, aquilo que a determina, identifica e distingue estão ausentes ou são infecazes na vida de muitos religiosos e membros de igrejas.

Um desses elementos que tem sido diluído na religião açucarada de nossos dias é o arrependimento. Arrependimento não é consciência pesada, emobra incomode a boa consciência (1Tm 1.19). Arrependimento não é medo das consequências ou de condenação, embora deva trazer temor de Deus (Gl 6.7). Não é uma barganha, como se Deus estivesse interessado em trocar a sua benção por um arrependimento fugaz (Dt 10.17). Não é um rito ou cerimônia como parte de uma liturgia, embora seja essencial que no culto ele esteja presente e atuante (Is 1.10-17). Não são valores ou sentimentos éticos e morais, como se o evangelho se reduzisse a um mero código moral, embora a sua consequência seja uma vida ética diante de Deus. Então como compreender o arrependimento?
A parábola do Filho Pródigo nos fornece uma descrição mais clara do que compõe o arrependimento. Em primeiro lugar porque a parábola surge da incompreensão do perdão de Deus oferecido a publicanos e pecadores (Lc 15.1), obviamente mediante o arrependimento deles. Em segundo lugar pela relação existente entre as parábolas, apontando para as atitudes esperadas por Deus da parte daqueles que as ouviram, ou seja, alegria e arrependimento (Lc 15.17; 15.10 e 15.32). Os versos 18 e 19 registram as palavras do filho perdido falando consigo mesmo. Não é uma carta de intenções, nem um termo de compromisso, é o registro de seu arrependimento. Revelam o que se passou em seu coração e que pensamentos ele teve naquela ocasião.

Suas primeiras palavras foram: "Levantar-me-ei, e irei ter com o meu Pai". O arrependimento é sempre o caminho de volta ao Pai. É o contrário da atitude de fuga de Adão e Eva no Éden. O arrependimento nos leva a desejar a presença do Pai. o retorno à comunhão, a busca por sua graça perdoadora. O pecado nos afasta de Deus (Is 59.2), nos separa e exila. O arrependimento nos aproxima, restaura a nossa liberdade e confiança. "Irei ter com o meu Pai", é a oração do arrependido, sua resolução e sua atitude. O caminho de ida para o pecado é orgulhoso e auto-suficiente. Deixa para trás o pai e tudo o que ele significa como se não tivéssemos necessidade dele. É um caminho insano, levianamente alegre e inconseqüente. Mas bastam as primeiras consequências para que o pecador verdadeiramente arrependido cai em si (Lc 15.17) e percorra o necessário caminho da humilhação, tristeza e dependência de Deus, mas este é o único caminho de volta.

O verdadeiro arrependimento requer ainda a confissão. Que é fruto do reconhecimento tanto da falta quanto da nossa natureza. ..."e lhe direi: Pai, pequei contra o céu e diante de ti"; (Lc 15.18). Não se deve menosprezar o valor dessas palavras. Não são recitações como se tratasse de rezas, nem confissões liturgicamente mecânicas como parte de nosso culto. Antes de tudo é o reconhecimento de quem somos e do que fizemos. Reconhecimento de nossa condição pecadora e a qualificação de nossa conduta como trangressão deliberada da vontade de Deus. Embora a falsa modéstia insista em nos confundir, é necessário sinceridade quando dizemos: "pequei". Tal confissão vem acompanhada do reconhecimento de nossos méritos. "Já não sou digno de ser chamado teu filho" significa o necessário reconhecimento que a dignidade foi perdida, que não há méritos, nem honra, nem muito menos direitos. A graça é derramada em mãos vazias, em corações compungidos e contritos (Sl 51.17) e espíritos abatidos (Is 57.15), porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes (Tg 4.6).

Por fim o arrependimento requer o clamor por misericórdia: ..."trata-me como um dos teus trabalhadores". A consciência da perda da condição de filho leva à esperança de misericórdia. O arrependimento se contenta com o mínimo, ele não deseja honra, apenas estar na casa do Pai. Não reivindica tratamento de filho, basta-lhe ser servo. A glória é servir, e mesmo o serviço não é um direito e sim um ato de compaixão do Pai.

Por isso em tempos de espiritualidades maquiadas de santidade aparente, em tempos de religiões auto-sustentadas que se alimentam dos próprios méritos, e em tempos de confissões sem abandono de pecados, é preciso voltar à pregação simples do evangelho, a saber, arrependei-vos e "Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento" (Mt 3.8).


Rev. Jôer Corrêia

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