terça-feira, 17 de maio de 2016

“Já” e “ainda não”

Penso que uma das coisas mais complicadas e difíceis para o cristão, ao menos para mim, é a tensão do “já” e do “ainda não”:
Já somos um novo homem, mas ainda não deixamos tudo do velho homem…
Já fomos libertos da escravidão do pecado, mas ainda não nos livramos totalmente dele…
Já nos assemelhamos a Cristo, mas ainda não somos plenamente santos…
Já sentimos a presença do nosso Salvador, mas ainda não O vemos com nossos próprios olhos…
Já somos consolados por Deus, mas ainda não esgotamos nossas lágrimas…
Já fazemos parte de um Corpo formado por vários membros, mas ainda não é um Corpo perfeito…
Já temos uma Família numerosa, mas ainda não é a Família completa…
Já vemos o Reino de Deus no meio de nós, mas ainda não visualizamos Seu Reino na plenitude…
Já avançamos em direção ao alvo, mas ainda não o alcançamos…
E assim vamos vivendo, nessa tensão do “já” e do “ainda não”, às vezes caminhando meio trôpegos…
Porém o “já” que Deus nos deu nos dá força para caminhar, para prosseguir, para seguir em frente…
E mesmo o “ainda não” nos deve encher de ânimo, de coragem, de persistência, sabendo disso: o “não” é temporário, transitório – é apenas um “ainda” – e por isso esse “não” será totalmente expurgado…
E descansamos nessa certeza: quando Ele voltar viveremos um eterno “já”!

Lá onde é doce o mar, / Ripchip, não há que duvidar, / Ao extremo leste acaba de chegar.









terça-feira, 3 de maio de 2016

“Quem Sou Eu?” – Um poema de Dietrich Bonhoeffer

Cela de Bonhoeffer em Tegel

Em plena Segunda Guerra Mundial, época sombria em que a Alemanha era dominada pelo nazismo e grande parte da Cristandade não erguia sua voz contra Hitler, o teólogo e pastor alemão Dietrich Bonhoeffer ousou se opor. Por conta disso, foi preso pela Gestapo em 5 de abril de 1943, permanecendo encarcerado por dois anos.

Durante esse período de aprisionamento, desenvolveu um relacionamento estreito com outros presos e com os guardas, os quais se agradavam de sua companhia — Bonhoeffer procurava auxiliar os outros e viver um Cristianismo de serviço.

Ele desfrutava de algumas regalias, como sair de sua cela de vez em quando e lhe era permitido enviar e receber correspondências, mas nem por isso ele deixava de ser um preso e vez ou outra sofria tratamento hostil pelos nazistas.

Em 09 de abril de 1945, aos 39 anos de idade, Dietrich Bonhoeffer foi enforcado pelas forças nazistas, juntamente com seu irmão e dois cunhados, poucos dias antes da rendição alemã.

Durante sua prisão, Bonhoeffer escreveu vários textos, dentre os quais o poema “Quem sou eu?”, no qual ele retrata, com profunda sinceridade e emoção, sua condição, suas inquietações, seu estado psicológico, tirando todas as suas máscaras, à semelhança dos salmistas, que se desnudavam diante de Deus.

Espero que o imitemos em nossas orações a Deus, revelando tudo o que somos, tudo o que sentimos, todas as nossas fraquezas, debilidades, temores... É de tais orações que Deus se agrada!

Quem sou eu?

Quem sou eu? Seguidamente me dizem
que deixo a minha cela
sereno, alegre e firme,
qual dono que sai do seu castelo.

Quem sou eu? Seguidamente me dizem
que falo com os que me guardam
livre, amável e com clareza,
como se fosse eu a mandar.

Quem sou eu? Também me dizem
que suporto os dias do infortúnio
impassível, sorridente e altivo,
como alguém acostumado a vencer.

Sou mesmo o que os outros dizem a meu respeito?
Ou sou apenas o que eu sei a respeito de mim mesmo?
Inquieto, saudoso, doente, como um pássaro na gaiola,
respirando com dificuldade, como se me apertassem a garganta,
faminto de cores, de flores, do canto dos pássaros,
sedento de palavras boas, de proximidade humana,
tremendo de ira por causa da arbitrariedade e ofensa mesquinha,
irrequieto à espera de grandes coisas,
em angústia impotente pela sorte de amigos distantes,
cansado e vazio até para orar, para pensar, para criar,
desanimado e pronto para me despedir de tudo?

Quem sou eu? Este ou aquele?
Sou hoje este e amanhã um outro?
Sou ambos ao mesmo tempo? Diante das pessoas um hipócrita?

E diante de mim mesmo um covarde queixoso e desprezível?
Ou aquilo que ainda há em mim será como um exército derrotado,
que foge desordenado à vista da vitória já obtida?


Quem sou eu? O solitário perguntar zomba de mim.
Quem quer que eu seja, ó Deus, tu me conheces.
Sou teu.

O poema acima foi retirado do livro “Dietrich Bonhoeffer: Vida e pensamento”, de Werner Milstein, lançado pela Ed. Sinodal.