terça-feira, 19 de abril de 2011

O Kardecismo reprovado no seu próprio teste de veracidade

"Devemos seguir o argumento até onde ele nos levar"


Na sessão II da introdução do livro O Evangelho Segundo o Espiritismo (editora FEB, p. 28, 2008), Allan Kardec, recebendo comunicações mediúnicas de aproximadamente mil centros espíritas sérios espalhados pelos mais diversos pontos do globo*, propõe o seguinte teste de veracidade com relação aos ensinos espíritas:

"O primeiro controle é, incontestavelmente, o da razão, ao qual é preciso submeter, sem exceção, tudo o que venha dos Espíritos. Toda teoria em notória contradição com o bom senso, com uma lógica rigorosa e com os dados positivos que se possui, deve ser rejeitada, por mais respeitável que seja o nome que traz como assinatura."

De maneira equilibrada, justa, devemos ainda dizer que tal teste não é o melhor, segundo Kardec, pois pessoas podem possuir conhecimento insuficiente e serem tendenciosas em seus juízos. Porém o teste "é incontestavelmente" o primeiro se baseado em uma sólida lógica. Assim, o bom senso deverá prevalecer, ou seja, uma doutrina em contradição não pode ser digna de confiança. Crer nela é crer levianamente. Analisemos, então, a seguinte declaração espírita no capítulo I, p. 61:

"... o materialismo foi vencido... É toda uma revolução moral que neste momento se opera e trabalha os espíritos. Após uma elaboração que durou mais de dezoito séculos, chega ela à sua plena realização e vai marcar uma Nova Era para a Humanidade. As consequências dessa revolução são fáceis de prever; deve produzir inevitáveis modificações nas relações sociais, às quais ninguém terá força para se opor, porque estão nos desígnios de Deus e resultam da lei do progresso, que é uma lei de Deus."

O Kardecismo reivindica uma revolução moral fundamentada na lei do progresso. Do século XVIII ao XXI, houveram vários progressos (industrial, trabalhista, científico, tecnológico, etc.), porém nenhum que produzisse divinas modificações nas relações sociais. Não há muito o que comemorarmos no campo da moral quando lemos sobre os campos de concentração nazistas de Hitler; quando sabemos que o materialismo filosófico é dominante nas Academias (Nietzsche, Marx, Darwin, Freud, Sartre, Heidegger...); que os índices de assassinato e suicídio são preocupantes especialmente entre os jovens; quando olhamos para o aumento e facilitação do divórcio matrimonial ou vemos tanto guerras latentes quanto eminentes pelo globo... O clima de otimismo moral deveria ser triunfante ao passo que os espíritos trabalham para isso. Todavia, não é!

Pode-se levantar uma objeção por parte dos espíritas dizendo que a "Terra pertence à categoria dos mundos de expiação e de provas, razão por que aí o homem está exposto a tantas misérias" (p. 79). Esse ensino explicaria o problema da revolução moral se ele condicionasse a Terra a ser um mundo somente de expiação, de provas. No entanto, o próprio Kardec excluiu essa idéia:

"Todavia, não deduzais das minhas palavras que a Terra esteja destinada para sempre a ser uma penitenciária. Não, certamente! Dos progressos realizados podeis facilmente deduzir os progressos futuros e, dos melhoramentos sociais conquistados, novos e mais fecundos melhoramentos. Essa é a tarefa imensa que será realizada pela nova doutrina que os Espíritos nos revelam." (p. 131)

Em uma seção de comentários de um vídeo do YouTube eu discutia com um espírita sobre essa questão da revolução moral. Ele contra-argumentava dizendo que as aflições da vida são de duas espécies: de causa presente ou de passada (daí os judeus terem sofrido tanto no holocausto, pois certamente no passado eles fizeram algo que trouxeram as consequências do antissemitismo!). No entanto, eu disse a ele que isso é a explicação das aflições e não a corroboração sobre a máxima de Kardec conforme citei. O materialismo na minha opinião não foi vencido e o relativismo ou anarquia moral é crasso em qualquer nível da sociedade, inclusive na Igreja.

Não ajuda muito também os espíritas esperarem o tempo passar e terem fé que lá na frente a coisa muda. Isso na verdade é um salto de fé e não seguir as implicações de um dos pilares da Doutrina. Kardec reivindicou uma revolução moral em PLENA REALIZAÇÃO que produziria modificações que NINGUÉM TERIA FORÇA PARA SE OPOR (o que está em caixa alta são citações diretas). A claridade do texto não lança dúvida no que estou dizendo. A questão é a veracidade do cumprimento dessas palavras; e não como e quando elas irão se cumprir ou porque não estão se cumprindo.

Se ciclos de encarnação-desencarnação elevassem os espíritos a estados superiores, purificando-os ainda mais, porque não percebemos as consequências dessa doutrina central do Kardecismo nas manchetes dos jornais e nas newsletters da web? Vivemos uma grande crise moral e não uma revolução pela lei divina do progresso. Involuímos.

No livro A República, Platão atribuí a Sócrates a seguinte frase: "Devemos seguir o argumento até onde ele nos levar". Se a lógica dos dados é positiva, devemos evocar o resultado da aplicação do teste: "toda teoria em notória contradição com o bom senso... deve ser rejeitada". O argumento aqui proposto no mínimo nos leva para o descrédito da revolução moral de Kardec bem como a uma revisão de seus pressupostos filosóficos.

Portanto, o Espiritismo não pode ser aprovado como verdadeiro mediante suas asseverações de moral. O bom senso, nesse caso, não nos convida a uma fé espírita. A coletividade ou conjunto dos fatos mais a lógica contrariam a Doutrina em sua base.


*Não há citações dos nomes dos médiuns nem como se realizou essa tão grande coleta de informações pelo mundo, se é que foi realizada. É interessante notar que tais centros são classificados como "sérios". Sérios com base em quê? Fica a pergunta.


Soli Deo [Jesus] Gloria.


Danilo Neves de Almeida.

domingo, 17 de abril de 2011

Uma reflexão sobre a morte

"Melhor é ir na casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração." (Eclesiastes 7.2)

Eu digo que essas palavras são ácidas... parecem dissolver algumas de nossas percepções equivocadas sobre o fim da existência humana. O sábio rei Salomão foi quem as registrou, inspirado por Deus. E assim, elas são palavras de Deus!

Confesso que a primeira vez que eu as li me veio exatamente o contrário do que elas dizem. Afinal, é melhor estar numa festa do que num velório. A sensação diante desse versículo foi de incômodo — algo parecido com a impressão de se ter aprendido errado.

Certamente o rei experimentou os sentimentos que a morte de um ente querido causa em nós. Ele viveu a dor da perda, da saudade e, portanto, não fala sem o coração. Mas também não fala sem a razão e a fé.

Creio que a verdade fria dessas palavras só pode ser entendida quando estamos na casa onde há luto. Nela nos deparamos com a realidade de que temos um fim, de que não somos eternos, de que a morte é inevitável. Depois que nascemos, a única certeza que temos é a de que morreremos. Não bastasse essa realidade, a Bíblia nos diz ainda que a vida é breve, curta, tal como uma neblina, que aparece por um instante e logo se dissipa (Tiago 4.14).

O problema é que não conversamos sobre isso o suficiente uns com os outros. Evitamos refletir sobre a morte, sobre a brevidade da vida. Preferimos a casa onde há banquete, onde há festa. Vivemos como se fôssemos eternos. Salomão porém nos diz: "viva sabendo que um dia você prestará contas ao Juiz deste mundo". Eis as palavras finais do livro de Eclesiastes: "agora que já se ouviu tudo, aqui está a conclusão: Tema a Deus e obedeça aos seus mandamentos, porque isso é o dever de todo homem" (Ec 12.13, NVI).

Chegará o dia em que nos encontraremos com o Juiz de nossas almas. Nós, os vivos, devemos tomar isso em consideração, sabendo que a morte só poderá ser vencida pela vida que Jesus nos dá quando cremos nele, pois Ele é o caminho, a verdade e a vida — a nossa justiça.

No momento do luto de Marta, Cristo disse: "Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crê em mim não morrerá, eternamente" (João 11.25,26). Isso é o que Deus diz na casa onde há luto.

Além do abraço que damos naqueles que passam pela dor da perda, essas são as únicas palavras que podem verdadeiramente consolar os que sofrem.

domingo, 3 de abril de 2011

Amizade e Soberania de Deus



Quando lemos nas nossas Bíblias que Deus é soberano tendemos a crer que esse atributo divino é de alguma forma limitado. “Deus é soberano sobre os eventos ao redor do mundo, mas não na minha vida” — é o que muitas vezes pensamos.

Porém a soberania de Deus engloba também a nossa vida: as circunstâncias que nos cercam, os eventos que nos sucedem, os resultados das nossas escolhas. C. S. Lewis nos lembra ainda que é Deus quem dispõe, segundo a Sua vontade e a Sua sabedoria, as pessoas que nos cercam, aqueles com os quais nos relacionamos:

“… na Amizade […] nós imaginamos ter escolhido nossos pares. Na verdade, bastariam alguns anos de diferença nas datas de nascimento, alguns quilômetros a mais entre determinadas casas, a escolha de uma universidade em vez de outra, um alistamento em regimentos diferentes ou o acaso de um certo tópico não ter sido levantado num primeiro encontro para nos manter distantes. Mas, para um cristão, não existem, estritamente falando, acasos. Há um Mestre de Cerimônias invisível em atividade. Cristo — que disse a seus discípulos: “Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi” — pode verdadeiramente dizer a todo grupo de amigos cristãos: “Vocês não escolheram uns aos outros, mas eu os escolhi uns para os outros.” A Amizade não é uma recompensa pelo discernimento e bom gosto que tivemos quando nos descobrimos mutuamente. Ela é o instrumento pelo qual Deus revela a cada um as belezas de todos os outros. Não são maiores que as belezas de milhares de homens; pela Amizade, Deus abre nossos olhos para elas. Como todas as belezas derivam dele, e por isso, na boa Amizade, são enriquecidas por ele por meio da própria Amizade, de modo que ela é seu instrumento não só para criar como também para revelar. Nesse banquete é ele quem determina o cardápio e escolhe os convidados. E é ele, ousamos esperar, quem às vezes o preside, e quem sempre deveria presidir. Não podemos nos esquecer de nosso Anfitrião.” (p. 125-126, grifo nosso)1

Tendo em vista essa realidade que Lewis nos faz enxergar (que não se limita a amizades, mas se estende a todos os nossos relacionamentos), temos de ser gratos a Deus pelos nossos amigos, pelos nossos familiares, pelos relacionamentos que temos, pois tudo isso provêm de um Deus que não somente é soberano, mas também sábio e amoroso.

Recordemo-nos das palavras de Paulo, em Romanos 8.28 (Nova Versão Internacional), que certamente é aplicável aos nossos relacionamentos:

“Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito.”


1 LEWIS, C. S. Os quatro amores. 1 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
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