quinta-feira, 5 de maio de 2011

A inveja é pecado pior do que a cobiça

"O que um invejoso quer não é, antes de tudo, o que o outro tem; o que um invejoso quer é que o outro não tenha. Daí um rapaz de dezoito anos fará campanha contra a permissão dos pais para que o irmão mais novo chegue em casa mais tarde, ainda que nada ganhe com isso (Tudo o que ganha é a inimizade com o irmão). O mais velho simplesmente não quer que o seu irmão usufrua das vantagens que ele não teve. Ele é como um médico residente que suportou uma sombria ou insana escala de trabalho e que, só por isso, não quer ver essa escala relaxada em benefício dos novatos.

Quando um invejoso faz uma oração intercessória às avessas, por seu rival ("Esvazia a piscina dele, ó Deus, e enche de água o seu porão"), ele não faz isso por malignidade sem motivo, por simples cobiça. Cobiçar é querer o bem que pertence a alguém de modo tão forte ("desordenado", como diz a tradição cristã) que chega a ser tentado a roubá-lo. Invejar é ressentir-se do bem que alguém possui a ponto de querer destruir esse bem. O que cobiça tem as mãos vazias e quer enchê-las com os bens de alguém. O invejoso tem as mãos vazias e quer esvaziar as mãos de quem ele inveja. A inveja, sobretudo, carrega tons de ressentimento pessoal: um invejo se ressente não apenas por causa da benção de outra pessoa, mas ressente-se daquele que foi abençoado. A cobiça focaliza mais em objetos do que em pessoas: mesmo quando focaliza uma pessoa, tende a vê-las como objetos.

Assim, em 1 Samuel, o olho invejoso de Saul caiu sobre Davi, enquanto em 2 Samuel, o olho vagueante e cobiçoso de Davi caiu sobre Beteseba, mulher do honrado Urias. Um invejoso ressente; um cobiçoso deseja. É claro que um invejoso pode começar a sua carreira como cobiçoso. Pode começar demandando um bem de alguém, como Caim pode ter originalmente desejado a bênção que Deus deu a Abel. A cobiça não atendida, porém, provavelmente azeda e se transforma em inveja: a inveja é geralmente uma cobiça não satisfeita.

[...]

A inveja, diz o ministro Chaucer, é pecado "cabalmente contra o Espírito Santo". É "um pecado insensato... o pior que há, pois... a inveja é pecado cometido contra todas as virtudes e contra toda piedade." Em seu conto, o ministro acrescenta o dano. Onde quer que se encontre a inveja, ele diz, econtraremos a impiedade da humanidade e da comunidade cristã. Pessoas invejosas falam mal pelas costas. Cumprimentam com um sorriso que, sob outra luz, pode ser tomado por uma zombaria. Reconhecem o mérito de um rival, mas, depois, puxam-no para a sombra de um mestre (Ele é um bom violoncelista, mas você já ouviu Rostropovich?). O invejo é maledicente. Coleciona más notícias de outros e as passa adiante como um tira-gosto em happy hour. O invejoso é resmungão. Ele murmura. Ele se queixa que todas as pessoas erradas estão tendo sucesso. Despeito, amargura, discórdia que desfaz toda amizade, acusação, malignidade - todas essas coisas fluem da inveja e juntas tornam a amizade e a boa comunhão em rancorosas ruínas.

O que o ministro Chaucer faz é correr os olhos pelas listas de pecados do Novo Testamento e observar as companhias esfarrapadas de que a inveja se cerca. A inveja aparece nas mesmas listas que orgias e bebedices, impudicícia e dissoluções (Rm 13.13); na mesma lista que iras, porfias, detrações, intrigas, orgulho e tumultos (2 co 12.20); na mesma lista que provocações, difamação, suspeitas malignas (1 Tm 6.4). Esses são pecados devastadores contra a comunidade, pecados que atacam a paz comunal. Esses são pecados que mostram Caim e Abel ainda contendendo através das eras, lutando em nós e em nossa sociedade e em nossas igrejas.

Temos, porém, uma razão para pensar que um dia a luta cessará... na manhã da ressurreição se levantou a vítima da inveja [Jesus], aquele que foi morto... Nesse evento todos os cristãos concentram suas esperanças do shalom*."


*Plena paz, um equivalente moderno seria a expressão "tudo de bom". Ver ainda Is 2.2-4; 11.1-9; 32.14-20; 42.1-12; 60; 65.17-25.



Fonte: Cornelius Plantinga Jr.. Não era para ser assim: um resumo da dinâmica e natureza do pecado. Ed. Cultura Cristã, p. 168-169,177-178. 1998.

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