
Em 1Jo 4.2,3 o termo anticristo é utilizado obviamente num sentido impessoal: “Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo o espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem, e presentemente já está no mundo”. A principal heresia que João estava combatendo, em sua primeira epístola, era um gnosticismo incipiente. Um dos erros desses primeiros gnósticos era negar a genuína encarnação de Cristo. Uma vez que a matéria era considerada como má, eles ensinavam que Deus não poderia entrar num corpo genuíno, e que Cristo, por causa disso, teve apenas um corpo aparente (ou docético) enquanto estava sobre a terra. Isto, aos olhos de João, era uma heresia tão mortal que retirava o cerne do evangelho. Se Cristo não tivesse assumido uma natureza humana genuína, com um corpo humano genuíno, então o homem não teria um verdadeiro Mediador, nenhuma expiação teria sido feita por nós, e ainda estaríamos em nossos pecados. Por esta razão, João diz que negar que Cristo veio em carne (isto é, assumiu um corpo humano genuíno) é revelar o Espírito do anticristo. Deve ser observado, entretanto, que aqui João fala do anticristo apenas de modo impessoal.
João expressa a mesma idéia de modo mais pessoal em 1Jo 2.22: “Quem é o mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Este é o anticristo (ho antichristos), o que nega o Pai e o Filho”. Aqui o antricristo é considerado como uma pessoa, uma vez que o artigo definido foi usado junto com a palavra. Mas ele é considerado como uma pessoa que já está presente nos dias de João – na verdade, como alguém que representa um grupo de pessoas. A heresia aqui denominada de anticristo é aquela que postula um abismo intransponível entre um Jesus meramente humano e um Cristo divino e docético (e por causa disso não-humano).
Em 1Jo 2.18, porém, João fala tanto de um anticristo, que ainda está vindo, como de anticristos que agora já estão presentes: “Filhinhos, já é a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também agora, muitos anticristos têm surgido; pelo que conhecemos que é a última hora”. As palavras: “como ouvistes que vem o anticristo” indicam que João efetivamente esperava um anticristo pessoal no fim dos tempos, assim como a igreja cristã primitiva. Provavelmente, ele estava familiarizado com o ensino de Paulo acerca do “homem da iniqüidade”, referido na segunda carta aos Tessalonicenses 2, que tinha sido escrita muito antes. Ele também estaria familiarizado com os ensinos acerca desse futuro oponente de Deus e de Cristo encontrado em Daniel e nas palavras do próprio Cristo. Portanto, não é correto dar a impressão de que João não aguarda um anticristo futuro em nenhum sentido; nessa passagem, lembra ele seus leitores acerca de algo que eles já conhecem: “como ouvistes que vem o anticristo”. Mas João também vê vários anticristos no mundo de seus dias: falsos mestres que negam que Cristo tenha vindo em carne. Nós poderíamos chamar esses falsos mestres de precursores do anticristo final. Uma vez que João já via estes “muitos anticristos” no mundo, ele conclui que nós agora, na era presente, estamos na “última hora”. Dessa forma, podemos esperar continuar a encontrar pessoas e poderes do anticristo em cada era da Igreja de Jesus Cristo até sua segunda vinda. Esse sinal dos tempos, portanto, assim como os outros, caracteriza toda a era da Igreja entre as duas vindas de Cristo, e possui relevância para a Igreja hoje. Precisamos constantemente estar em guarda contra anticristos e contra ensinos e práticas de anticristos.
Resumindo, podemos admitir que a idéia de um anticristo único futuro não é muito proeminente nas epístolas de João; sua ênfase recai mais sobre os anticristos e idéias de anticristos que já estavam presentes em seus dias. Mesmo assim, não seria correto dizer que João não admite, em seu pensamento, um anticristo pessoal futuro, uma vez que ele ainda aguarda um anticristo que deverá vir."
Referencial teórico
HOEKEMA, A. A. A Bíblia e o Futuro. Editora Cultura Cristã, 2 edição, pg. 180-190. São Paulo - SP, 2001.